Viajar, sair da rotina de lugares e pessoas conhecidas é
recurso de inestimável valor aos que desejam renovar ideias, pensamentos e
sentimentos.
Mirante do Morro do Buracão - Alto Paraíso de Goiás, GO |
Num país imenso como o nosso, cujo território chega a ser
mais de quinze vezes maior do que o da França, é certo que a diversidade de
climas, relevo, fauna e flora é algo que escapa aos sentidos dos que se
acotovelam no infindável cinza de uma poluída metrópole como São Paulo. É
notória a diferença, neste caso, entre o saber
e o viver. O orgulho erudito de
alguns, da realidade conhecida por imagens e palavras, não faz frente à brisa
morna acalentando o rosto numa tarde simples, em que os montes, vales e flores
cortam as certezas num horizonte cuja beleza não se anuncia, se vende ou se
ostenta. O belo, realidade do olhar, apenas existe e convida, acrescentando ao
viver a carga de transformação que é proporcional ao terreno inculto do sentir que
cada um permite-se cultivar.
E nessa diversidade, que pensar das almas que se espalham
nesse universo de possibilidades? Quanto mais conheço, mais me fascina o brilho
que anima os olhares, corações e mentes em cada pequena composição de variáveis
que faz de uma localidade geográfica um novo mundo aguardando por nosso olhar e
nosso coração.
E cada brilho, único, presenteia ao sentimento desperto uma
centelha que agrega à lembrança o fulgor de uma vida que não se define sob a
lógica cartesiana da nossa intelectualidade pueril, mas, sim, escorre por entre
os lapsos de imortalidade que nossas almas se permitem experimentar.
Nessas idas e vindas, gostaria de compartilhar um episódio
ocorrido na última viagem que fiz, durante trabalhos sociais em escolas, protagonizado pelo pequeno Pedro, de Irecê, na Bahia.
Inquieto e curioso, no primeiro contato ele se mostrou
avesso à certa docilidade comum dos meninos da sua idade, em torno dos 7 anos.
Não queria muito conversar, mas mexer e explorar os aparatos e novidades que
seu olhar perquiridor identificou junto aos simpáticos forasteiros. Diferente
dos outros meninos, Pedro não se intimidava pelo tamanho e pela idade dos adultos,
e parecia viver na plenitude das certezas que sua mente infantil em formação permitia
a ele vivenciar. Um menino travesso e inteligente, que alguns incautos poderiam
categorizar à guisa incorreta de “mal educado”.
Horas passadas de convivência, Pedro afinou-se comigo e
passou a acompanhar minhas atividades, já mais carinhoso e companheiro. Em
determinado momento, durante atividade de encerramento dos trabalhos, em que
juntos presenciávamos a premiação a certas atividades, ele disse que estava com
sede e queria beber um refrigerante. Respondi que não tinha refrigerante na
escola. Ele disse que por dois reais ele compraria na venda da sua tia, ali por
perto. Perguntei se era verdade e se ele estava mesmo com sede. Ele não
pestanejou e disse que sim. Pensei por um instante na alegria relativa que ele
poderia ter, uma vez que o dinheiro não é recurso abundante em sua realidade
simples. Abri a carteira e dei duas moedas de um real. Ele sorriu e desapareceu
entre os outros meninos na penumbra da noite.
Logo após, fui solicitado a comparecer à sala dos
professores, em que haveria uma pequena comemoração do aniversário de um de
meus companheiros de trabalho.
Já na sala, repleta de adultos, comemos um delicioso bolo,
preparado por uma das professoras. Num certo momento, vi que um professor,
postado à porta da sala, para impedir a entrada das crianças, barrava um
pequeno menino. Carregando uma pequena sacola plástica, ele parecia não querer
ceder à proibição de entrar na sala. Olhei com atenção: era o pequeno Pedro,
que estava a minha procura. Fui até ele. Trazia em sua sacolinha uma lata de
refrigerante. Eu disse que era para ele abrir e beber, pois estava com sede. Aí
veio a minha surpresa e a luz de sua resposta: ele disse que não iria tomar sem
a minha companhia e iria esperar do lado de fora até terminar a comemoração em
que eu estava. Fiquei realmente tocado pela situação... Depois do momento em
que dei os dois reais a ele, minha mente já tinha desenhado a cena dele refrescando-se
e divertindo-se em algum lugar com seus amigos. Aí a vida vem e quebra os
nossos orgulhosos paradigmas.
Saí da sala dos professores e Pedro me conduziu a um pequeno
banco, onde sentamos. Ele tirou do bolso uma das moedas e me devolveu, sem
dizer nada. Tirou da sacolinha a latinha e dois copos de plástico e pediu que
eu abrisse a lata. Postou os copos sobre o banco aguardando que eu os
preenchesse.
Não há aqui palavras para descrever o que fora aquele
momento, muito menos o olhar de satisfação no rosto daquele pequeno ser. Sua
sede não era egoísta e muito menos infantil. Sua atitude, muito maior do que a
minha. Eu dei duas moedas e recebi uma lição de amizade e companheirismo.
Visualizei um menino e encontrei o tesouro de uma bela alma. Quantos de nós,
adultos, não saciariam a sede na primeira oportunidade, sem pensar em mais
nada?
Bem, a vida é assim, nos presenteando com lições saídas de
onde menos esperamos, por meios que, se não tivermos olhos de ver, nos passariam despercebidos.